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A vida é um passeio fascinante! Mas todos sabemos que é uma caminhada com fim marcado. Somos incapazes de adivinhar o tempo que iremos viver esta vida térrea. E deve ser por isso, pela incerteza que temos acerca do nosso próprio fim, que ficamos fascinados com as histórias daqueles que conseguiram superar a barreira dos 100 anos de vida. Porque no nosso dia-a-dia, parece-nos, quase impossível.

Vemos a todos os centenários como lendas vivas. Pessoas de força, de coragem, que tudo conseguiram ultrapassar e que, ainda quando não vestem um fato de super-herói, são merecedores da mais profunda admiração!

Infelizmente, encontrar alguém que tenha 100 ou mais anos não é uma tarefa, de todo, fácil, mas o Arcos em Destaque teve a honra de conhecer duas senhoras, arcuenses, cada uma delas com 103 anos e que, diariamente, convivem no mesmo espaço. Parece-lhe impossível? Então conheça a história da Rosalina e da Maria das Dores.

Quando chegámos ao Lar Vila Gerações (Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez) sentíamos um nervoso miudinho. Não é todos os dias que podemos privar com um centenário, muito menos, com duas! Ao chegar, encontramos ambas, sentadas nas suas cadeiras, divinamente arranjadas e prontas para a conversa.

Fachada do Edifício Lar Vila Gerações SCMAV

Chamou-me logo a atenção os lindos brincos que a D. Rosalina tinha nas orelhas e foi este o mote que utilizamos para quebrar o gelo.

D. Rosalina que lindos brincos que você tem! Gosto muito deles! E a resposta foi rápida e acompanhada de um belo sorriso: “muito obrigada minha filha”! 

Rosalina Gomes Fernandes nasceu a 10 de maio de 1920 em Padroso, Arcos de Valdevez. Sabemos isto pelas informações que nos foram cedidas pelo lar, mas também, pela boca da D. Rosalina “eu tenho 102 anos!” Faltou-lhe um na contagem, mas, certamente, ninguém irá levar a mal!

Quando lhe perguntamos se alguma vez imaginou conseguir chegar a esta idade, desabafa “não minha filha! Eu nunca pensei chegar a esta idade! Deus Nosso Senhor é que manda”.

D. Rosalina tem um filho, uma neta e três bisnetos “graças a Deus tenho uma família grande e bonita” e com muito orgulho -e um brilho especial nos olhos- afirma “a minha neta é advogada. É a Susana Maria de Melo Amorim!”, um nome que não foi dito com a boca, mas com o coração!

D. Rosalina é natural da freguesia de Padroso “eu nasci em Padroso e nunca saí daqui dos Arcos. Trabalhei sempre no campo. Um trabalho duro, mas muito alegre. Andávamos no campo sempre a cantar, era uma alegria muito grande!”, recorda, com saudade.

Para a D. Rosalina o segredo para chegar a esta idade resume-se, muito facilmente “temos que rezar muito, e sermos amigos uns dos outros. Todos nós somos filhos de Deus”. Ela é, uma mulher de fé “a fé é a que nos salva”, garante.

Do alto dos seus 103 anos, reza uma oração chamada ‘Oração do Pecador Adormecido’ que, sem exagerar, dura mais de dois minutos e que constitui uma marca pessoal e uma verdadeira proeza!

Quando lhe perguntamos qual o segredo para chegar aos 103 anos atira, divertida “isto não é só sorte, há que saber fazer!” e depois complementa “os segredos são fáceis: é rezar, portarmo-nos bem, sermos amigos uns dos outros, e não termos vaidades nenhumas”, afirma com certeza.

E depois de um compasso de espera, remata, “mas também não podemos deixar que façam pouco de nós. Porque neste mundo encontra-se de tudo: bons e maus. Temos de nos unir sempre aos bons e deixar os maus!”, vinca.

A D. Rosalina entrou na instituição em agosto do ano 2019. Até então, viveu sempre na sua casa e era autónoma. Depois, alguns problemas de saúde começaram a aparecer e foi necessário apoio de terceiros para realizar as tarefas diárias de higiene e imagem porque para comer, por exemplo, ainda não precisa de ajuda.

“eu sou uma das mais velhinhas que aqui ando!” afirma, com algum gabarito.

rOSALINAgOMES fERNANDES, 103 ANOS.

A D. Rosalina e a D. Dores são as ‘rainhas da casa!’ Um estatuto só reservado para elas que não são- só- as mais velhas do lar, mas também, do concelho de Arcos de Valdevez.   

Para a D. Rosalina a família é o seu calcanhar de Aquiles “eu já tenho três bisnetinhos. São muito lindos e muitos finos”. E, à pergunta, obvia, que fizemos se gosta muitos deles? a resposta veio com lágrimas nos olhos “ai minha filha, nem é bom falar. Eu gosto muito de todas as crianças, mas os meus, trago-os no meu coração”, afirma, muito emocionada!

D. Rosalina
Foto arquivo: SCMAV

Rosalina é uma mulher cheia de fé e de compaixão “nós temos de perdoar. Há coisas muito difíceis de passar. Mas temos de perdoar. Eu perdoei muitas vezes! Ui! Sabe Deus quantas! Este também é um segredo muito grande, minha filha!”, explica como querendo deixar um conselho.

Mas também é uma mulher feliz e resolvida com a vida que teve, e que tem “graças a Deus eu não tenho queixas nesta vida. Estou com esta idade e não tenho queixas de ninguém…e se tinha, já perdoei. Nós temos que perdoar”, volta a reforçar.

Quando perguntámos do que é que tinha mais saudades o suspiro foi profundo “eu não sei explicar. São muitas coisas! Porque era um tempo muito alegre. Eu, no meu tempo, gozei muito, graças a Deus!”.

D. Rosalina
Foto arquivo: SCMAV

E desabafa “aí meu Deus! Quem eu era e quem eu sou!”, e aproveitando a deixa, perguntamos: era bonita?! Era vaidosa?! E novamente, obtivemos uma resposta cheia de picardia “aí, era, era! À minha frente não ia ninguém!”, e remata “o meu marido também era muito bonito, não era um pedaço de homem, era todo inteiro!”, remata, às gargalhadas.

D. Rosalina
Foto arquivo: SCMAV

À pergunta se casou por amor, ou foi um casamento arranjado, respondeu com muita firmeza “aí casei por amor sim senhora! Graças a Deus. Ele era muito meu amigo e eu dele. Nunca nos demos mal!”

E surgiu espaço para mais um sábio conselho “para levar um casamento minha filha é preciso ter muita paciência. É natural que não estejamos sempre de acordo, mas temos de ter paciência. Porque perfeito não é ninguém” e conclui com uma bela quadra:

“toda a vida fui alegre;

toda vida o ei de ser;

se eu nasci para ser triste;

melhor me fora morrer!”

Mas não é só a D. Rosalina que tem uma história de vida digna de ser admirada. A D. Maria das Dores Fernandes também! É a mais velha desta dupla. Fará 104 anos no próximo 31 de outubro e é natural da freguesia de Padreiro, Arcos de Valdevez.

Maria das Dores Fernandes

A D. Dores, apesar da sua idade, é uma mulher que ainda consegue andar com ajuda e não realiza qualquer tipo de medicação, ainda quando já apresenta alguns sinais de falha na memória, tem muito presente episódios da sua vida que deixaram marca e, à semelhança da D. Rosalina, quando fala na sua família, especialmente nos netos, comove-se.

“eu sou daqui dos Arcos, sou sim senhora, da freguesia de Padreiro! Uma terra muito bonita!”, disse alto e em bom som, quando lhe perguntamos de onde era natural.

Quando perguntámos quando anos tinha, afirmou “eu já não sei, mas são muitos”! Ao que nós respondemos: são 103! E ela assentiu “pois são esses todos, são”!

Enquanto decorria a nossa conversa, e porque já se aproximava a hora de almoçar, a D. Dores comia umas bolachas para aconchegar o estômago, e nós, perguntámos se gostava de comer, ao que respondeu com muita certeza “gosto de comer, gosto. E como muito bem. Graças a Deus vai o bom e vai o ruim!”

-E de doces, gosta? “olhe que não é das coisas que gosto mais. Eu como-os, e se mos derem, melhor, que assim não gasto dinheiro!”, afirma, divertida.

D. Dores também foi uma mulher de trabalho. Como era habitual naquela época, trabalhou nos campos “trabalhei nos campos quando era nova, sim, e há quatro-cinco anos que deixei de trabalhar na fábrica”.

O trabalho na fábrica foi deixado há bem mais anos, mas a D. Dores, fruto da idade, por vezes, confunde os tempos “agora só trabalho em casa, só”, refere.

“Eu gostava de trabalhar no campo porque assim era livre, ninguém me mandava. Fazia aquilo que eu queria”, vinca, muito dona de si própria!

Quando lhe perguntámos em qual fábrica tinha trabalhado respondeu muito prontamente “trabalhei sim senhora! Numa fábrica de madeiras…, mas também trabalhava em casa. Fazia a comida e arranjava tudo”, esclarece.

A D. Dores tem uma filha, quatro netos e quatro bisnetos e acerca destes últimos, refere “já são grandes, logo estão para casar. Já têm idade para casar também, mas, ou não aparece ninguém, ou não querem, não sei como é!”, reflete.

No início, quando abordamos a D. Dores ficou um bocado reticente a falar, mas depois, conforme íamos fazendo perguntas ficou mais à vontade e quisemos confirmar se gosta de conversar, ao qual respondeu “eu gosto de conversar. Mas aqui não converso tanto. No trabalho fala-se mais. Conversa-se melhor lá fora do que em casa”, afirma.

Quando perguntamos se gosta de estar no lar a D. Dores responde rapidamente “eu gosto de estar aqui, mas queria mais estar na minha casa, com os meus netos”, disse, ficando com os olhos cheios de água.    

E de passear, gosta? “eu já gostei, mas agora já estou velha, já não me apetece passear muito”, explica. E continua “eu, antigamente, gostava de ir até Braga, até Viana, vinha até aqui, uns oito dias ou quinze, e depois tornava a ir. E depois já trazia os meus netos comigo.”

“Eu gostava muito de ir até Viana e mais no tempo da praia. Há sempre muita gente!”, deixando transparecer no olhar uma profunda saudade.

“Eu de nova gostava das festas, até dançava. Agora já não estou para dançar”, mas confessa que gosta “de ouvir música e de vê-la”.

E é assim que vão passando os dias da D. Rosalina e da D. Dores entre lembranças de uma vida preenchida que já passou e que deixa saudades. Mulheres com 103 anos de histórias, de vivências e de experiência.

Para o Arcos em Destaque foi um verdadeiro privilégio poder conversar com elas. Esperamos que este testemunho possa ficar para as gerações futuras e que reconheçam, nas pessoas mais velhas, o exemplo de força, resiliência e sabedoria que são.

Deixamos o nosso profundo agradecimento às famílias da D. Rosalina e da D. Dores por nos terem permitido ir conhecê-las e agradecemos, também, à Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez, -Vila Gerações, na pessoa da Dra. Andreia Alves, ter aceite o nosso convite para fazer esta reportagem.  

dizem que a velhice é a idade do por do sol; e é verdade! Mas há ‘pores do sol’ que todos param para olhar!”

Richard Gere

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Diretora Arcos em Destaque

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