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Vivemos cada vez mais um mundo globalizado. A tecnologia faz parte das nossas vidas, a tal ponto, que é quase impossível, lembrar as nossas vidas antes dos telemóveis, das redes sociais. A inteligência artificial é cada vez mais uma realidade. A tecnologia trouxe à discussão uma série de temas -e de interesses- que até então, não eram considerados.

Um destes temas: as alterações climáticas e como os jovens se envolvem na discussão -e na defesa- do mundo. E foi neste âmbito que o Arcos em Destaque entrevistou Pedro Rodrigues Costa: sociólogo, investigador e professor universitário, nascido e criado no centro da vila de Arcos de Valdevez, que acaba de finalizar uma investigação sobre os jovens e o tema das alterações climáticas no espaço lusófono (Brasil, Moçambique e Portugal). 

Com quase uma centena de publicações científicas na área da Sociologia dos Media e da Informação, é atualmente o Diretor do mestrado em Comunicação, Redes e Tecnologias, é Assessor da direção da Faculdade de Comunicação, Arquitetura, Artes e Tecnologias da Informação da Universidade Lusófona e é Cocoordenador do GT Comunicação Intercultural, na SOPCOM – Sociedade Portuguesa de Comunicação.  

Vanessa Reitor (VR): enquanto investigador em Sociologia dos Media e das Redes e professor de cadeiras como Cibercultura, Públicos e Audiências, Comunicação Política ou Metodologias de Análise de Texto e Discurso, como analisa os tempos atuais? Que mundo é este em que vivemos e como é que os jovens podem ser importantes para os diversos desafios que se colocam à humanidade? 

Pedro Rodrigues Costa (PRC): diria que este é um tempo desafiante, estranho e paradoxal ao mesmo tempo. Por um lado, os desafios tecnológicos e ecrãnicos obrigam o humano a uma constante necessidade de adaptação e recriação. Por outro, a complexa simbiose existente entre humano, máquina e exteriorização mediática (ecrãnica) do mundo gera uma estranheza à diversidade, tendendo para o confronto e conflito numa lógica globalista. Finalmente, porque vivemos em cima de diversos dualismos sociais que geram paradoxos múltiplos: economia ou proteção do ambiente? Democracia ou fecho de fronteiras? Globalismo ou nacionalismo? Tecnologia em excesso ou humanismo em défice? Tradicionalismo e conservadorismo ou vanguardismo exacerbado? Cancelamento do Outro ou aceitação das suas consequências? Creio que andamos à procura de um equilíbrio difícil de conseguir num mundo em constante mudança de ritmos.

VR: Acha que o paradigma das redes sociais veio dificultar a harmonia social? Ou melhorar a forma como nos relacionamos?

PRC: não há dúvida que as redes digitais trouxeram dinâmicas novas. Mas não só. A opinião, transmitida oralmente no espaço social, era o grande canal mediático do passado. A impressão em massa e depois o jornal permitiram uma opinião de massas, e isso criou a possibilidade de manipulação global. O século XX foi profícuo no desenvolvimento da propaganda política e hoje, com as redes digitais, tudo isto se complexificou.

às vezes tendemos a culpar as redes digitais por coisas que já existiam no passado. A grande diferença agora, e com o desenvolvimento de algoritmos persuasivos, é precisamente a manipulação altamente segmentada e estratégica, juntamente com a possibilidade de formação de guetos digitais de opinião. Isso cria conjuntos de pessoas que se confrontam contra outros grupos, e o ódio floresce mais rapidamente.”.

Pedro Rodrigues Costa. Sociológo, investigador e professor universitário

Além disso, como as redes e seus algoritmos formam grupos de pessoas com os mesmos interesses e gostos, há um conjunto de grupos que se conseguem relacionar e outros conjuntos que não se conseguem relacionar. Estes últimos expulsam-se uns aos outros, e isso gera bolhas. Essas bolhas sempre existiram (ricos, pobres, profissionais de diferentes áreas, etc.). A novidade é que essas bolhas não se relacionavam e agora podem agredir-se mutuamente. Para uma criança ingénua, que vai crescendo e se torna adolescente a consumir estes confrontos ideológicos, de classe e de estatuto, o mundo aparece como um lugar estranho e perigoso, sectário e altamente dividido, e muitas vezes hipócrita e injusto. Por exemplo em Davos, no encontro anual do Fórum Mundial Económico de 2022, empresários e políticos reuniram-se para debater o futuro do mundo produzindo nos seus jatos privados o equivalente a 300 mil automóveis de CO2. Os jovens entendem facilmente esta hipocrisia. E também são obrigados a entrar numa dinâmica sociotécnica, seja pela família, pela escola ou pelos seus pares, instados a criar uma personalidade para navegar neste mar de contradições, conflitos e complexidades. Apesar de às vezes nós, os mais velhos, acharmos que a vida deles é mais fácil do que foi a juventude dos mais velhos, por ser mais tecnológica e menos física, esquecemo-nos da dimensão emocional e mental de todo este processo. Estar constantemente na rede, ver na rede, expor na rede, viver em confronto na rede, ser expulso na rede, ser capturado na sua atenção pela rede, é extenuante. Este é um mundo de desgaste psicológico permanente.

VR: Disse atrás que existem vários dualismos em confronto e falou do cancelamento. O cancelamento cultural do Outro é um tema que tem estudado? Como olha para esta questão que também as redes exacerbaram?

PRC: A temática do cancelamento foi observada tanto no estudo que agora concluímos, sobre o engajamento dos jovens com as notícias sobre as alterações climáticas, como também num artigo científico que desenvolvi recentemente e que está prestes a ser lançado no Brasil. No caso do estudo sobre os jovens e as alterações climáticas, percebemos que estes são muito sensíveis ao tema e que é necessário menor arremesso do tema como arma política. No entender dos jovens entrevistados, existe demasiada acusação e pouca contextualização e ação. Seja no Brasil, em Moçambique ou em Portugal, os jovens consideram que se politiza e moraliza o tema das alterações climáticas pelas piores razões, com excesso de culpabilização ou partidarização. Os jovens entendem que é tempo de agir e não de retórica e demagogia. Neste aspeto, dão uma grande lição de pragmatismo às gerações mais velhas. Entendem que o tempo do diagnóstico já passou, e que se nada fizermos vamos sofrer as consequências. A este respeito, acho que uma banda (Placebo) capturou bem o sentimento juvenil com a música Try Better Next Time, onde num cenário já depois do “fim do mundo” é escrito, com ironia, que depois de tentarmos melhor da próxima vez que vivermos é importante ignorarmos o ego da nossa espécie. A música acaba com um verso sugestivo e irónico: It’s a gas, it’s a party / On this planet of flakes / Somebody take a picture / Before it’s too late. Contemplamos o nosso ego em demasia esquecendo a nossa própria casa e agora parece ser tarde demais…

Já sobre o artigo científico mais recente, sobre o cancelamento cultural, dei-lhe como título “O Vigilante Hipersensível. Reflexões em Torno da Cultura de Cancelamento”. Neste estudo faço uma reflexão sobre os vários alvos de cancelamento cultural: escritores, escultores, músicos, desportistas, atores, instituições. Em suma, aqueles que, por um ou outro motivo, foram ou são alvo de julgamentos morais (ou mesmo judiciais) sobre comportamentos considerados inaceitáveis pelas massas, por grupos ou por públicos específicos. Disserto sobre a vigilância existente atualmente sobre o “inaceitável”, onde o sujeito contemporâneo vive hiperestimulado por informações que chegam mediante números de visualizações e partilhas. Este está permanentemente convocado a permanecer em vigilância e imitar opiniões e morais, que assim entram nas correntes de sociabilidade e socialização. O problema é que, tal como referi anteriormente, o que chega ao sujeito é, fundamentalmente, parte dos seus gostos, emoções e subjetividades, doravante vertidas em algoritmos empáticos e persuasivos. Esta individuação da vigilância, dobrada por algoritmos subjetivados, cruza-se com uma sensibilidade espelhada nas redes que se organizam em clusters. Essa sensibilidade hiperestimulada por clusters de interesses morais tem uma consequência direta: o vigilante hipersensível. Este vigilante hipersensível é todo um novo fenómeno social que brota dos fenómenos de captura da atenção, da eliminação de riscos e da amplificação inorgânica e maquínica. O mais grave é que alcança forte adesão, aceitação e engajamento. É um sujeito que se torna, ainda que não queira, um instrumento de arremesso usado nas mais variadas tensões locais e globais, altamente politizadas e interesseiras.

Foto arquivo Jornal Universitário do Porto

VR: Há esperança? Vê nos jovens possibilidades de melhorar este cenário global?

PRC: Nos jovens vejo. Nos mais velhos não. E incluo-me nesse grupo dos mais velhos. Quando os jovens referem o excesso de politização nos mais diversos temas, creio que estão corretos. Repare: quem controla o processo cultural neste país? Os políticos. Aos municípios é dado o poder de organizar festas, eventos culturais e respetivas comissões festeiras, retirando espaço à iniciativa orgânica. Tudo na cultura se tornou inorgânico, induzido, planeado e executado para agradar a uma ideia muito genérica e incompleta de maioria. Os jovens não conseguem agir de modo orgânico nos processos. Mas não é só. Os ecrãs manipulam através das agendas dos grandes grupos de interesses. Até naquilo que poderia ser mais básico. As questões identitárias são altamente politizadas, a favor ou contra, tendo em vista a defesa de uma ideia de minoria. Além disso, há muitas minorias deixadas de fora, expulsas da inclusão. O exemplo da jovem que atende num bar usando com felicidade a expressão “todes”, para incluir, e que depois é questionada sobre se também existe carta de bebidas em Braille, para cegos, ou com pictogramas, otimizado para autistas, fica encurralada pela própria cultura politizada que se foi criando sem que exista uma efetiva cultura de inclusão total. Aliás, se entramos numa lógica de identitarismo excessivo, tudo será minoria no futuro e tudo será motivo de exclusão. O marxismo tinha como fator de controlo a luta de classes para proteger do ponto de vista epistémico o combate à desigualdade. O atual identitarismo, pelo contrário, assenta em muita subjetividade grupal. Não há um plano coerente de emancipação social ou um combate lógico pela igualdade. Se é verdade que o marxismo não conseguiu cumprir a igualdade com recurso à luta de classes, também é certo que o identitarismo trará maior sectarismo e divisão social, não resolvendo as questões de fundo. Além disso, há todo um identitarismo inorgânico aproveitado pela política apenas para colher votos. E esse cinismo é compreendido pelos mais jovens. Ou seja, há pouca dinâmica verdadeiramente orgânica. Tudo é induzido para manipular massas de acordo com os interesses do poder. O poder está agora em todo o lado, sobre todas as coisas. A velha ideia de “Eu posso ser quem quiser” é cada vez mais errada se pensarmos que a manipulação de massas é cada vez mais efetiva e eficiente, sobretudo agora com recurso a algoritmos persuasivos e inteligência artificial. Estes recursos tecnológicos estão na mão do poder (político, financeiro, mediático, etc.), e todos estes poderes se relacionam para alcançarem os seus objetivos particulares. Ao contrário do que se pode julgar, os jovens apercebem-se rapidamente disto e adaptam os seus discursos e estratégias a esta realidade. São altamente pragmáticos, mas nem sempre vivem bem com estas contradições éticas. Acham cínica a ideia de capitalismo verde, percebem que economia e proteção do ambiente são dificilmente conciliáveis, entendem que a democracia não pode gerar expulsão e cancelamento e sabem que existe grande falta de ética e de consciência coletiva no poder. No entanto, percebem que têm de se adaptar rapidamente, que a escola e o mercado os obrigam a tomar escolhas muito cedo e que se o não fizerem, ficam dentro de estruturas morais e sociais complexas e que muitas vezes, necessitam de fechar os olhos a injustiças e contradições para suportar os desafios sociais. Eu acredito que este pragmatismo poderá no futuro fazer alguma diferença. Espero que sim, porque nós, os mais velhos, já erramos demasiado.    

VR: Mudando de assunto: como é ser docente, investigador e ter cargos de direção na Universidade Lusófona?

PRC: Muito exigente, mas também muito gratificante. A Universidade Lusófona é de excelência. Professores, alunos e funcionários. Existe um humanismo enorme e muito talento. É a terceira maior universidade do país, e uma das que consegue maior financiamento para projetos de investigação e projetos de educação, como programas de Erasmus e dinâmicas de desenvolvimento de competências. Estudar na Lusófona garante grande preparação para os desafios do mercado de trabalho e ao mesmo tempo possibilidades infinitas de dinâmica e desenvolvimento humano. É uma universidade muito pensada para o perfil de jovens que descrevi anteriormente. O mestrado que dirijo – Comunicação, Redes e Tecnologias – está altamente pensado para dotar os estudantes de competências para o mundo atual, alertando por tanto para esta consciência crítica que é cada vez mais necessária. E a direção da FCAATI, em particular, está apostada em dinamizar todas estas linhas de ação, bem como reforçar o relacionamento com o espaço Ibero-americano. Acreditamos que é possível viver dentro de um ocidentalismo produtivo, mas também, e sobretudo, tentando impor aquilo que nos caracteriza: a imensa, versátil e astuta cultura lusófona e a epistemologia de um sulismo ibero-americano.

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Diretora Arcos em Destaque

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