Nestes tempos nos quais vivemos a solidariedade é cada vez mais rara e os atos de carolice, cada vez mais escassos. Mas na freguesia de Aguiã, no concelho de Arcos de Valdevez existe há quase um ano, um projeto que leva por nome ‘A Arte de Cuidar’ e que oferece cuidados aos idosos da freguesia de forma gratuita. Um ato de voluntariado levado a cabo por três jovens enfermeiras da freguesia.
Sílvia Ribeiro, Ana Canossa e Juliana Fernandes são jovens aguienses que partilham a mesma profissão: enfermagem. Mas o ponto no qual elas convergem é a solidariedade e amor que demonstram pelas pessoas da sua terra às quais visitam, uma vez por mês, para realizar atos de enfermagem ao domicílio.
“As visitas são de mês a mês. Dividimos os utentes numa lista, cada uma de nós faz metade. Apesar de serem visitas mensais, nós deixámos sempre a abertura de se precisarem, ligarem para nós, e nós vamos lá para qualquer coisa. Eles têm os nossos contactos, e estão à vontade para fazerem isso”, afirma Ana Canossa.
O projeto, idealizado pelos membros da Junta de Freguesia de Aguiã, já tem quase um ano de existência e até ao momento, foram 333 os domicílios nos quais as três enfermeiras prestaram assistência. ‘A Arte de cuidar’ iniciou no dia 27 de janeiro de 2023. Para Sílvia, Ana e Juliana a experiência tem sido sumamente enriquecedora: “no meu caso, participar neste projeto fez-me aprofundar o gosto pelo cuidado. Na unidade na qual trabalho eu já tinha alguns contactos com esta realidade, mas agora, indo aos domicílios, deparei-me com outas realidades. E o projeto esta a me ajudar a perceber mais e a alargar os meus horizontes para esse tópico. Este projeto também me ajudou muito a ouvir os outros. A ter uma escuta ativa. Falar aquilo que os utentes querem que nós falemos. E, às vezes, nem é tanto falar, é só ouvir”, garante Juliana.
O projeto a ‘A Arte de Cuidar’ é muito mais do que simplesmente visitar os utentes para lhes oferecer cuidado “muitas vezes eles só precisam companhia. Só querem falar. Estas pessoas têm necessidade de falar. Muito pelo processo da pandemia e do isolamento que houve, e muitas delas, têm a necessidade de voltar à normalidade. O facto de nós irmos, sermos jovens e trazermos um pouco do nosso dia-a-dia é disso que eles precisam. Há muitas pessoas a quem eu vou e fico lá 45 minutos e não é pelo ato de enfermagem em si, é a falar com a pessoa porque sinto que tem necessidade que a ouçam”.
Para estas enfermeiras “é cada vez mais necessários enfermeiros nesta área de cuidados continuados e paliativos. Infelizmente há cada vez mais doenças oncológicas e doenças degenerativas que aparecem cada vez mais cedo. É uma área que precisa muitos profissionais”.
Confessam que o projeto superou as suas expetativas “a amabilidade das pessoas e a vontade de nos receber. Eles estão sempre à nossa espera. E nós, muitas vezes, vamos e não é pelo ato de enfermagem em si, são coisas rápidas: avaliar uma diabetes, ver a tensão, pesar, ver a temperatura, organizar a medicação. Não é isso que leva o seu tempo, mas o facto de eles estarem lá para nós ouvirmos, eles querem que nos estejamos lá para ouvir”.
As três enfermeiras sentem-se felizes pelo trabalho que realizam com estes utentes. Muitos deles, idosos que as viram crescer e tornarem-se profissionais “nunca sentimos que pusessem em causa o nosso profissionalismo por causa da nossa idade. Todos eles, a quem nós agora damos cuidado, foram testemunhas do nosso crescimento. Dar o nosso contributo a quem nos viu crescer é muito gratificante. Muitos deles conhecem-nos desde crianças, andaram connosco ao colo! E é bonito ouvir as histórias daquilo que se passou antigamente, e agora nós, sendo adultas, cuidar deles”, afirmam emocionadas.
Garantem que o projeto é para continuar “nem sempre é fácil conciliar as visitas com os nossos horários laborais, mas enquanto conseguirmos vamos continuar a fazer. É um ato de amor por todas estas pessoas, que também são nossas”.
Quando perguntamos o porquê de terem aceite este desafio sem receber qualquer tipo de beneficiação rapidamente respondem “infelizmente cada vez mais estamos a viver num mundo no qual a ajuda aparece se houver algo por trás. Mas este projeto já tem um ano e é para continuar porque acima de tudo, somos enfermeiras e depois, seres humanos. Eu não me imaginava a ir ajudar alguém, com segundas intenções. Todos aqueles a quem ajudamos dão-nos algo em troca, sim: um sorriso, um obrigado, é isso que nós recebemos. O carinho das pessoas que visitamos em casa. E é intrínseco em nós ajudar”, vincam, com orgulho.
Num mundo cada vez mais gerido pelo egoísmo é de louvar iniciativas como esta que, verdadeiramente, apoiam quem mais precisa com entrega, profissionalismo e profundo altruísmo.
Houvessem mais Sílvias, Anas e Julianas no mundo e o combate ao isolamento dos mais velhos não seria uma realidade tão vincada nas aldeias do nosso pais. ‘A Arte de Cuidar’ irá continuar, no ano 2024, a proporcionar muitos momentos de cuidado e carinho aos idosos da freguesia de Aguiã e esperamos esta iniciativa seja replicada em cada uma das freguesias do concelho para que assim, existam cada vez menos pessoas a ouvirem o silêncio ensurdecedor da solidão.