No próximo domingo, 30 de junho, a Floresta Encantada da freguesia da Miranda será o palco para o espetáculo-ritual que tem por nome ‘Ó Gente da Minha Terra’, idealizado por David Costa, um talentoso artista filho da terra, apaixonado pela cultura popular, e quem desde há muito tinha o sonho de ‘misturar’ os dois mundos que lhe são muito caros: a cultura ‘queer‘ e a cultura popular mais genuína desta terra tipicamente alto-minhota.
O Arcos em Destaque conversou, em exclusivo, com David Costa e o grupo de artistas que o acompanham, para conhecer mais um pouco deste espetáculo e os seus intervenientes.
“Esta ideia surgiu, mais ou menos, há dois anos atrás. Eu vim cá fazer o meu projeto final da Faculdade (Escola Superior de Teatro e Cinema em Lisboa) e uma das apresentações do meu projeto final foi aqui nesta Floresta. Não ainda com as pessoas de cá, mas viemos cá apresentar com a minha turma”, relata.
David conta que logo após aquele projeto acontecer “surgiu esta oportunidade em conversa com a Alexandrina e o Dr. Nuno Soares e, na verdade, era algo que me interessava porque desde criança que gosto muito da cultura popular e da cultura produzida aqui. É algo que me atrai, que me encanta muito, e foi ali que surgiu a ideia de fazer alguma coisa com as pessoas de cá”.
O jovem artista confessa que além da cultura popular queria também “juntar o meu mundo do Porto e de Lisboa, e cruzá-lo com o de cá. Porque são mundos que, às vezes, entram em conflito, em alguns aspetos, e que são conflitos que eu vivo dentro de mim e que são complicados de lidar. Eu acho que a arte poderia ser um bom sítio para abrir horizontes e para fazer uma série de trocas que podem ser enriquecedoras para toda a gente”, sintetiza.
E foi assim que, então “convidei estas pessoas que são amigas minhas, de algum tempo, pessoas que conheci quando fui para o Porto, com 15 anos, estudar teatro (…) eu costumo dizer que escolhi estas pessoas a dedo. Porque para além de serem artistas incríveis, são amigas muito próximas e com quem tenho muita intimidade, é como se fosse família. E queria que fosse um grupo assim que viesse para aqui porque isto, para mim, de alguma forma, é um sítio muito frágil. Eu sinto que não podia trazer para aqui qualquer pessoa. Só os nossos amigos é que vão à nossa casa. E como era para virmos e ficarmos cá durante duas semanas, eu queria que fossem pessoas que eu tivesse muita confiança de as ter cá e de se relacionarem bem com as pessoas de cá”, afirma.
Para todo o grupo a experiência tem sido sumamente agradável e enriquecedora “é uma outra realidade que nós trouxemos. Uma outra bolha, e por vezes, essas bolhas têm muitos conflitos entre si. Por isso é que eu digo que pode ser frágil. Mas na verdade tem corrido super bem. Tem sido incrível ver tudo isto a acontecer, porque para mim é mesmo isso. Esse cruzar de mundos, que às vezes parecem antagónicos, impossível de se relacionarem, improváveis, e de repente, isso está a acontecer e está a acontecer de uma forma bastante alegre”, confessa satisfeito.
O jovem mirandense esclarece que este espetáculo-ritual também tem o intuito de ‘abrir horizontes’. De demonstrar que é possível conviver com as diferenças e divergências “não é pela forma como nós nos vestimos, ou pelas pessoas com quem nos relacionamos, ou pela nossa sexualidade, pelas nossas identidades de gênero…isso são aspetos do ser humano, e o ser humano é diverso. E às vezes isso entra em conflito com algumas coisas ou até, politicamente isso é usado como uma forma de odio, como uma forma de fazer política. E nós estamos aqui a provar que não deve ser assim. Este espetáculo é, também, uma luta contra isso. É uma luta contra um pensamento conservador, que não quer que nós existamos e que nos quer tornar a todos iguais“
E o que é que as pessoas poderão encontrar no próximo domingo, no espetáculo-ritual ‘Ó Gente da Minha terra’?
“aquilo que encontrarão não será bem uma peça de teatro, mas mais, um espetáculo-ritual. É uma espécie de procissão, porque faz-se um percurso, onde vão aparecendo vários quadros, quadros-vivos, que são uma espécie de atos poéticos, em que se misturam essas culturas e essas diferentes formas de existir. Mas eu não diria que seria teatro, no sentido clássico do que é uma peça de teatro, mas também podemos chamar-lhe teatro, mas é algo muito mais performático”.
Estes jovens artistas ‘viveram’ durante duas semanas as experiências mais puras e o quotidiano do povo da Miranda. E todas estas vivências foram registadas para, mais tarde, criar um documentário que relate os usos, costumes, tradições e sabedoria popular desta aldeia “sinto que há uma última geração de pessoas que vai desaparecer e que tem uma sabedoria popular que se vai perder. Que se não for registada, vai-se perder. Infelizmente há muitas destas pessoas que pensam que aquilo que sabem não tem muito valor. Acham que não é interessante. Por exemplo, eu peço para elas falarem e de forma automática, respondem: não vou dizer nada de jeito! Quando elas estão cheias de sabedoria. Só que isso -infelizmente- neste momento não é valorizado”, reflete.
David Costa e os seus colegas afirmam que este espetáculo, inédito na sua forma, tem uma palavra chave e ela é: mistura “porque tudo pode ser misturado, respeitando a sensibilidade de cada um, respeitando todas as culturas, mas tudo pode misturado”.
O espetáculo-ritual vai ser no próximo domingo, dia 30 de junho, na Floresta Encantada da Miranda, às 17h00. É um projeto apoiado pelo Município de Arcos de Valdevez, pelo projeto Santa Cruz, pela junta de freguesia da Miranda e pela Associação Cultural Recreativa e Desportiva de Miranda.