Em cada uma das profissões existentes encontramos profissionais de excelência e depois, encontramos o Júlio Pinheiro, um homem excecional, que é muito mais do que um assistente escolar, é o rosto da bondade, simplicidade e simpatia elevados ao máximo exponencial.
‘O senhor Pinheiro’, é um dos mais conhecidos na comunidade escolar de Arcos de Valdevez. Homem afável, com um tom de voz que não passa despercebido e que se ouve à distância. Todas as manhãs, de pé no portão, espera ‘os seus meninos’ para lhes dar um bom dia cheio de boa disposição e sempre, com um cumprimento singular: ‘bater punhos’.
É um homem com muita experiência, vai fazer 60 anos e desses, 30, foram passados a trabalhar em escolas “há 30 anos que ando nisto. Comecei em Palmeira, no Distrito de Braga. Estive lá quatro anos. Depois consegui a transferência para aqui. Sou dos Arcos. Nascido e criado do outro lado da Ponte. À beira da Igreja de São Paio. Na rua Teixeira de Queirós. Só que casei-me e vivo em Rio de Moinhos. Mas sou da Vila”, conta orgulhoso!
Pinheiro recorda com saudades o tempo em que trabalhou em Palmeira “eu gostei muito de Palmeira mas a nível monetário não dava. Depois de quatro anos consegui a transferência. Vi-me um bocado aflito porque não era fácil do distrito de Braga pedir transferência para o distrito de Viana do Castelo, era muito complicado naquela altura. Mas eu consegui. E desde então, estou aqui”, afirma sorrindo, sempre sorrindo.
O seu percurso iniciou na Escola EB 23S “e depois, em substituição de uma colega, vim para esta escola dos pequeninos. E agora daqui não saio, não adianta! Fico aqui até ao fim. Eu vou fazer 60 anos. Mas se eu poder, aguento até ao fim, porque eu gosto deles (meninos) e são eles que me fazem querer vir. Eles, e as minhas colegas de trabalho: a Betsy e a Cristina, que são cinco estrelas, gosto muito delas”, diz, emocionado.
Betsy e Cristina agora são companheiras de trabalho “mas eu já as conhecia quando eram alunas. É muito bonito passar assim pela vida das pessoas. A mim convidam-me para casamentos, miúdos que andaram aqui na escola, a batizados dos filhos deles! Convidam-me e o que é que eu vou fazer’? Eu vou. Gosto deles! Eu sou assim!”, e novamente a emoção toma conta dele.
Nos tempos que correm trabalhar com crianças e jovens é cada vez mais um desafio. Cada profissão tem o seu segredo e ‘o senhor Pinheiro’ revelou-nos um, se calhar o mais importante “não se ganha nada em sermos duros com os miúdos. Porque eu também já fui aluno. Noutros tempos, mais rigorosos, com funcionários que batiam, mas nós quanto ele mais batia, mais rebeldes nós nos tornávamos. Quando comecei a trabalhar nisto o meu chefe de Palmeira disse-me: Pinheiro vou-te dar um conselho que te vai acompanhar toda a vida. Se não podes com eles, junta-te a eles. E é uma verdade. Não vale a pena sermos duros com eles!”.
Apesar de estar sempre do lado dos alunos Pinheiro é um homem cauteloso, com muita experiência que conhece todos os alunos e que sabe distinguir quando as atitudes e comportamentos de algum jovem/criança começa ‘a descambar’, como ele próprio diz “uma altura tive uma chatice com um aluno, mas mesmo chatice à sério. Zanguei-me com ele, disse-lhe coisas fortes, mas ele hoje agradece. Foi naquela idade muito complicada da adolescência. Mas ele hoje passa por mim e diz-me: senhor Pinheiro, muito obrigado!”, recorda saudoso.
Como esta tem muitas mais histórias -e memórias- que para sempre lhe ficaram gravadas na mente,mas acima de tudo, na alma e no coração “há já alguns anos tive uma aluna que quando acabou o 12º convidou-me para jantar com o pai e a mãe. E no jantar, virou-se para eles e disse: ‘para mim o senhor Pinheiro dentro da escola foi um Pai’. Ela passou por uma altura muito complicada. Por um processo de depressão muito grande em que tentou contra a própria vida, e ouvir alguém dizer isto à frente dos pais, é muito grande. Porque eu também sou pai”.
Pinheiro conta que hoje em dia os alunos são capazes de falar mais com ele e com as suas colegas do que com a própria família “sentem-se mais à vontade. Eu passo mais tempo com eles (alunos), do que em casa, com a minha família. E depois é a confiança que se cria. Quando têm problemas é a nós que recorrem”.
Confessa que trabalhar nesta escola é diferente “aqui os miúdos são mais pequeninos e é mais a questão do carinho que eles precisam (faz uma pausa, os olhos ficam vidrados)… há miúdos que não têm carinho em casa. São tempos muito difíceis. E há situações muito complicadas, que doem”.
E recorda umas das passagens mais duras que já viveu “tivemos um menino que numa sexta-feira disse-me que não queria ir para casa porque não tinha nada que comer! Carreguei-lhe a mochila de leite chocolatado, não tinha mais que lhe dar, mas pelo menos levou leite. Fiquei sempre a pensar nele. Ainda hoje está na escola, agora no ciclo, e não sei como está a situação, mas eu já falei com os colegas para lhe deitarem o olho. São sempre situações muito difíceis e que doem muito”.
Pinheiro é um apaixonado pela juventude e pelas crianças e defende-os, se for necessário, a capa e espada “critica-se muito a juventude de hoje em dia. Que só querem telemóveis! E eu digo e penso: no meu tempo, se eu tivesse tido o que eles têm hoje em dia era capaz de ter sido igual. Criticamos os jovens mas eu próprio, à noite, só mexo no telemóvel e tenho 60 anos! É verdade! Por tanto, eu, se na idade deles tivesse tido a tecnologia, era igual. Não são diferentes, somos iguais. São é outros tempos”, vinca.
Em 30 anos de serviço o Pinheiro já testemunhou o crescimento de milhares de alunos “eu confesso que há alguns que ficam mais na memória, porque nos marcam. Ainda que agora há muitos menos miúdos. Quando eu comecei a trabalhar com as senhas dos almoços havia dias nos quais eram servidos 1.200 almoços. No ciclo, até ao nono ano. Eram muitos miúdos. Naquela altura só havia uma escola. Não havia Távora nem Sabadim”.
Pinheiro é o único homem da equipa “sou o único homem no meio de tanta mulher! Não é fácil”, afirma brincalhão! E recorda com muita saudade o seu colega que partiu “antes éramos o Paulo e eu, mas ele -infelizmente- faleceu. O Paulo faz falta, muita falta! Faz-me falta todos os dias da minha vida”.
A equipa ainda não recuperou desta perda “a morte dele, como foi e onde foi, ali, à minha frente, nos meus braços e da Cristina. Eu entro na escola e é ali que eu o vejo. Naquele local, está ali. Não o superei ainda. A pesar dos miúdos ajudarem muito. Eles são uma terapia enorme! Quando faleceu a minha irmã, no dia seguinte ao funeral, vim. Precisei de vir. Precisava de estar com eles. Sem se aperceberem, ajudam muito!” confessa, novamente emocionado.
Pinheiro é um homem sensível, que sabe pôr-se nos sapatos dos outros e quando é devido, chama a atenção, ainda com receio de ser mal interpretado “nós aqui vemos coisas que os pais em casa não vêm. E o nosso dever também é alertar. Uma vez alertei um pai de uma situação muito grave. Disse-lhe: cuidado com o teu filho. Quando sinto que os miúdos não estão a ir por caminhos certos, eu digo. Eu também tenho um filho. Também gostaria que me dissessem se o meu filho não estivesse por bom caminho. Porque nós, enquanto pais, não vemos tudo. Hoje em dia tudo passou. E o pai agradeceu-me. Eu tive que dizer! É claro que não gosto. Mas senti que era o meu dever. Como amigo e como pai que também sou. Eu avisei, e acho que avisei a tempo. Mas são situações muito complicadas porque há pais que não acreditam”, refere.
Quando lhe perguntamos o que gostaria de dizer aos ‘seus meninos’, a voz fica cortada “eu aos meus meninos digo obrigado. Só isso! Eu não faço as coisas por prémios ou reconhecimento. O meu prémio e vê-los e estar com eles todos os dias. Às vezes bem dispostos, outras vezes mal dispostos. É como todos nós. Ainda ontem um miúdo chegou à minha beira e disse: Pinheiro, tenho uma boa notícia para te dar: o meu pai ficou com a minha guarda toda! Eu não lhe perguntei nada. Nem tenho nada a ver com isso, ele sentiu-se feliz e quis dizer-me isso. Isto é forte. Eu só lhe perguntei: estás feliz? e ele respondeu-me: muito! E eu fiquei feliz também! É só isto!”, culmina.
1 comentário
Fantastico. Adorei ler.
Não conheço o Sr. Pinheiro. Mas deve ser uma pessoa fantástica.
Em relação à entrevista, muitos parabéns à jornalista, fantástico, consegui entrar na notícia como se estivesse a ver.
Grande trabalho.
Parabéns aos dois.